Coronavírus

'As pessoas só entenderam a parte do 'pode abrir o comércio', mas não entenderam a parte do 'pode ir'', diz infectologista

18.306

data-filename="retriever" style="width: 100%;">Foto: Gabriel Haesbaert

Desde quarta-feira, começou a circular em grupos de WhatsApp um áudio do médico infectologista de Santa Maria Fábio Lopes Pedro, em que ele afirma que a população de Santa Maria deve sair de casa, tomando cuidados, pois o grau de letalidade da doença é baixo, se for levada em conta a estimativa de que haveria mais de 1 mil casos na cidade. No áudio, que foi enviado inicialmente a um colega psiquiatra, o médico infectologista ressalta que as pessoas precisam retomar a vida e sair de casa, tomando as medidas de prevenção, para evitar o agravamento de problemas psiquiátricos e de ansiedade, além de se exercitar para manter a saúde. Ele também afirma que isso é possível porque, agora, o sistema de saúde está preparado e porque há muitos leitos ociosos na cidade.

Questionado sobre as declarações do médico, o prefeito Jorge Pozzobom (PSDB) afirmou que, com base na opinião dos especialistas, um comitê da prefeitura tomou todas as medidas necessárias, muito antes de outras cidades. Segundo ele, isso foi necessário para preparar os leitos e exames, permitindo a retomada gradual da economia.

- Não me arrependo de nenhuma medida até agora. Ninguém está proibindo as pessoas de sair. A vida segue normal, dentro do novo normal. Não é criar pânico nas pessoas. Elas podem sair de casa, com todos os cuidados, usando máscara da forma correta e o álcool gel. Lá atrás, exigimos o uso de máscaras. O problema não é o comércio, dentro das lojas estão tomando todas as medidas. O problema é que parte das pessoas na rua não usa máscara ou usa errado, o problema é a aglomeração, como um monte de gente na Praça do Mallet no domingo. Estamos pedindo que quem puder, fique em casa, como os idosos. Estamos em busca de um equilíbrio que ninguém sabe qual é, nem os médicos. Mas se a situação se agravar, voltaremos a fechar tudo, se for preciso - afirmou Pozzobom.


O Diário conversou com Fábio Lopes Pedro, que esclareceu alguns pontos do que afirmou no áudio. Confira:

Diário - Está circulando, no WhatsApp, um áudio em que o senhor fala que as pessoas devem sair de casa, com cuidados, e que se deve evitar o pânico. Também diz que há mais de 1 mil casos de coronavírus na cidade. Por que o senhor falou isso?

Fábio Lopes Pedro - Não sei se o contexto é o melhor, porque aquele áudio é voltado para um psiquiatra. Os pacientes estão com problemas devido ao confinamento. Mas que tem pessoas sofrendo de confinamento e de isolamento obsessivo, isso tem, porque as pessoas não compreendem muito bem as medidas de isolamento. Elas estão achando que tem de ficar em casa para sempre, que não pode sair de casa e estão sofrendo demais com isso. Aí, as pessoas entendem assim. Ah, o comércio está aberto, mas as pessoas vão no comércio? Não, né? Outra questão é da imprensa, sobre a questão do pânico. Você liga o televisor de manhã, e estão tocando o pânico geral. Em São Paulo, é uma coisa, em Manaus, é uma coisa, nós somos outra coisa. Tem de ter muita moderação, pois as pessoas estão sofrendo de estresse, de trauma e de ansiedade. No início do áudio pro psiquiatra, falo dos problemas psiquiátricos dos pacientes dele. Falo para acalmar as pessoas, porque elas têm de retomar suas atividades cotidianas com responsabilidade. Usando a máscara e o álcool, mas tem de retomar. Grupos de risco que devem ser mais zelosos. E sobre os números, é aquilo mesmo. Os números são subdimensionados. Até estava conferindo de manhã, tem 131 casos confirmados, mas deve ter mais de 1 mil, 1,5 mil ou 2 mil casos (em Santa Maria). Os critérios foram modificados ontem. Partiu de Santa Maria essa sugestão de adicionar nos critérios outros exames de sangue feitos (da rede privada), e com isso, vamos ter um número mais real. E tendo esse número mais real, vai ficar fácil de entender que a letalidade dessa doença é bastante baixa.

Diário - Esse número de 1 mil a 2 mil casos veio dos laboratórios particulares da cidade?

Fábio Lopes Pedro - São estimativas. Claro que a gente tem muito mais exames confirmados do que os 131, mas esses números são estimativas.

Diário - Por isso é que no áudio o senhor fala que a letalidade pode ficar em cerca de 0,5%?

Fábio Lopes Pedro - O próprio estudo da UFPel ajuda nisso. Precisa ter muita calma, está muita geração de pânico. Isolamento, cuidado e zelo é uma coisa. Pânico, é outra. As pessoas estão confundindo os valores. Uma própria reportagem fala que aumentou três vezes o número de casos. Para o leigo, é muita coisa, mas a gente sabe que três vezes não é nada.

O balanço dos dois meses da pandemia em Santa Maria

Diário - Hoje, qual a tua orientação para as pessoas? Se as pessoas quiserem ir fazer compras nas lojas e nos shoppings, ou ir nos restaurantes, elas devem tentar ir normalmente?

Fábio Lopes Pedro - Normal, usando a máscara e as regras que o comércio estabeleceu. Só que o problema é que as pessoas não estão indo. Não adianta o decreto do prefeito dizer que pode abrir, se nós não falarmos para as pessoas que podem ir. As pessoas só entenderam a parte do pode abrir, mas não entenderam a parte do pode ir. Vai lá no shopping fazer sua compra, vai na loja, vai retomar tua vida. Óbvio, que seguindo todas as orientações para entrar no shopping, para entrar na loja. Ninguém está dizendo que não precisa fazer isso.

Diário - Pelo que entendi, o senhor quis dizer que existe o risco, mas ele é pequeno e precisa ser enfrentado?

Fábio Lopes Pedro - Sim, as pessoas não podem ficar enclausuradas para sempre nos seus lares. A China está vivenciando isso agora, de uma segunda onda. Será que as medidas da China funcionaram de fato? Ou a China mentiu sobre os dados, ou os dados da China são verdadeiros e demonstraram que o isolamento não funcionou?

Diário - O senhor fala de pânico, mas no início da pandemia, o senhor e outros médicos defenderam fortemente que as pessoas tinham de ficar em casa e bateram muito nisso. Por quê?

Fábio Lopes Pedro - O aconselhamento inicial visava dar fôlego e tempo para os sistemas de saúde se organizarem. A gente tinha leito zero, a gente tinha exame zero. A gente não tinha absolutamente organização alguma. Por mais que a gente tivesse feito reuniões no final de janeiro e fevereiro, não ocorreu nada em 45 dias e nada mudou. As pessoas não se organizaram. Então, naquele momento, era preciso fechar as portas, conter maciçamente, para evitar uma entrada muito alta do vírus que pudesse colapsar o sistema. Agora, a gente tem exame localmente, a gente tem leitos e estamos conseguindo atender os pacientes com certa tranquilidade. Inclusive, a gente está tendo uma situação dos leitos quase ociosa. Tem instituições com leitos vazios. Quantos pacientes internados têm o Regional? Três. E quantos leitos têm? 30. E não é só questão de leitos de UTI. "Ah", o modelo do Estado conta os leitos de UTI, mas não são só os leitos de UTI que contam. São essas questões que mudaram e mudam diariamente. Não tem necessidade de as pessoas ficarem trancadas em casa. Por isso que tiramos do ar algumas mídias sobre isso.

Diário - Mas nesse sentido, não seria necessário que as autoridades, como o prefeito, também deixassem mais claro que as pessoas podem sair de casa, mas com controle? Pois ainda segue o discurso de ficar em casa.

Fábio Lopes Pedro - Claro que tem o discurso do politicamente correto. Os caras têm eleição em outubro, vocês acham que eles não vão chegar ali e dizer "sai de casa". Os caras misturam política nessa hora. Eles são os interlocutores, não é o Fabio Lopes Pedro que tem de parar sua vida pessoal para ficar falando isso para a população.

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Mortes por coronavírus chegam a 166 no Rio Grande do Sul Anterior

Mortes por coronavírus chegam a 166 no Rio Grande do Sul

Próximo

Hospital Regional tem leitos de UTI habilitados e mais 10 clínicos funcionando

Saúde